Essa carta foi escrita pela mediadora de conflitos Verônica Motta. Em seu livro, ela dirigiu sábias palavras, para todos aqueles que desejam divorciar-se. Faz muito bem ler, tanto se estiver passando por uma crise, como para abrir a mente.
Prezados pais,
Vocês estão pensando em se separar, estão se
separando ao já se separaram? Não importa, a vida é sempre um eterno reiniciar.
Vocês têm filhos pequenos ou adolescentes? Aí, a
situação complica um pouco. Mas mesmo filhos adultos ficarão abalados com a
separação, não tenham dúvidas. Vocês pensam que é fácil? Imaginem seus pais
separando-se. Se vocês são filhos de separados, sabem muito bem o que é isso.
Ás vezes, a vida traz situações que não têm volta
e, talvez, a sua seja uma dessas.
Não se precipitem, porém, pensando em separar-se
com pressa, ou por entusiasmo ou por raiva. Lembram- se de que a pressa é a
inimiga da perfeição? Então... Será que seu caso é mesmo de separação? Será que
os sonhos foram todos destruídos mesmo? Será que vocês não estão falando
línguas diferentes e pensando que dizem a mesma coisa?
Cuidado! Quando se começa a brigar, entra-se por
uma escalada desenfreada que não pode ter fim. As paradas são apenas para tomar
fôlego e retornar de forma cada vez mais rancorosa e violenta.
Será que a situação financeira está complicada?
Lembrem-se de quem em casa em que não falta pão, todos gritam e ninguém tem
razão.
Se for isso, pense, cada um, como o companheiro
deve estar se sentindo. Seu marido pode estar humilhado, sua mulher pode estar
insegura, ambos podem estar com medo do futuro. Tentem lembrar que vocês, antes
de serem marido e mulher, são amigos, são confidentes e confiam um no outro. Ou
será que a confiança acabou? Falem sobre isso.
Será que seus filhos estão crescendo e vocês estão
se desentendendo de como educá-los? É, não é fácil mesmo educar filhos que
estão crescendo, sobretudo os adolescentes. Criar um filho pequenininho é mais
fácil, claro, pois eles só fazem o que vocês querem, mas quando ele começa a
pensar e os desafia, que complicado! Se vocês não tiverem firmeza e equilíbrio,
aí vai ser um problema.
Será que vocês esqueceram um do outro?
Era tão fácil no tempo do namoro, e nos primeiros
tempos do casamento, chegar em casa, alegres, fazer um elogio à comida, aos
encantos da casa, à aparência pessoal, à s conquistas e encontrar graça em
tantas pequenas coisas.
Lembram do tempo em que vocês riam à atoa? Ou de
quantas vezes um consolou o outro em momentos de tristeza sem motivo aparente,
de aborrecimentos no trabalho, com um chefe injusto, um colega mau caráter ou
um cliente desagradável? Vocês diziam “deixa pra lá, isso passa”.
Lembram do tempo em que a escola reclamava de seu
filho e vocês se preocupavam, sofriam, mas sentavam-se para conversar, iam
falar com a professora e tocavam a vida? E quando algum de vocês se aborrecia
com os palpites e as alfinetadas da sogra e o outro dizia “não ligue, minha mãe
é assim mesmo, para mim está bem como você é, é assim que eu gosto de você, a
vida é nossa”, e que tais?
Lembram de quando ele procurava aquela camisa
especial e o colarinho estava mal passado ou quando ela se arrumava toda para
esperá-lo porque era o aniversário de casamento e ele se esquecera de levar
flores? Tudo se resolvia, rapidamente. A camisa logo era substituída por outra
e um pedido de desculpas carinhoso, um beijo e uma declaração de amor
substituíam as flores. Vocês conseguiam sorrir e saíam para festejar. Não havia
cansaço e até o florista do Largo do Arouche (logradouro público paulistano,
célebre por suas bancas de flores), acostumado com loucuras amorosas, ficava
espantado com a braçada de rosas que entrava no carro. E vocês riam, e tudo que
os aborrecerá era logo esquecido. O tempo passou e as coisas mudaram? As caras alegres ficaram amarradas, o cansaço
tomou conta da vitalidade e os elogios foram arrefecendo? A comida virou “uma
droga”, a casa virou um lugar para se descarregar as desgracas do dia?
E as crianças, “você nem acompanha as lições”. “E
você, que nunca está em casa e nem sabe em que ano estão”. “Pare com tanta
tristeza, isso já é depressão”. “Você implica com minha mãe, coitada, ela só
que ajudar”. “Como a comida poderia ser melhor, se você não dá um tostão, em
casa”. “O que? Você só gasta parece um saco sem fundo”. “Nunca tem uma roupa em
ordem, nessa casa”. “Você nem se incomoda mais com o nosso aniversário de
casamento”. “Dia dos namorados? Nosso tempo já passou”. “Esta casa é uma
bagunça”. “Você não sabe o que é cuidar de casa, de filhos e trabalhar fora”.
“Ninguém pediu para você trabalhar”. “Você quer ser dondoka”. “Você pensa que é
um meninão”. “Você está louca”. “Você está louco”.
O que será que aconteceu com você? Será que foi só
o tempo que passou? O tempo, sozinho, não tem esse poder todo.
Será que vocês esqueceram que plantas têm que ser
cultivadas? Será que vocês esqueceram de cultivar seu amor e esqueceram da
frase que diz quem usa, cuida?
Será que vocês não dão valor ao que têm, e,
portanto, depois de conquistado, aquele bem já não interessa mais? Pode ser,
pense nisso. Afinal, alguns anos vocês eram tão apaixonados.
Lembram como vocês sonharam com a construção de
uma família? Como se entregaram de corpo e alma a essa relação, e quiseram ter
filhos, e conseguiram ter esses filhos? Como depositaram, um no outro, tantas
esperanças e expectativa?
Como planejaram fazer o melhor que pudesse para
que o outro fosse feliz?
Para onde foi tudo isso?
Será
que vocês foram endurecendo com o tempo e deixaram de sonhar a dois? Será que
vocês acreditaram que o amor é coisa para jovens e estão imaginando que poderão
reencontrar a juventude em outros braços e que em outra relação não terão
problemas para serem selecionados?
Que
bobinhos vocês podem estar sendo! Que ingênuos! Vocês não sabem que o
cachorrinho muda de lugar e carrega as pulgas?
Tentem pensar.
Será que seu caso é mesmo de separação ou vocês só
estão precisando recasar em seu próprio casamento, rever suas posições, e
reencontrar o encanto que viu no outro nos primeiros tempos?
Será que são realmente sérias as razões que os
estão levando a distanciar-se ou está havendo uma falha de comunicação.
Comunicação de corpo, de alma, de palavras?
Já pensaram e fazer uma boa revisão de sua vida e
encontrar o ponto em que as coisas deixaram de ser boas e vocês passaram a se
atacar para defender-se?
Tente fazer isso.
Eu
sei que tudo isso é triste para vocês. É duro ver tantos castelos desmoronando.
Agora, imagine como deve ser isso para os seus filhos. Eles os amam. Curioso,
não? O tempo também passa para eles e, no entanto, eles os amam cada vez mais.
Por que será? Não será porque vocês são amorosos, amáveis, compreensíveis, e
cuidadosos com eles? Pense nisso.
Vocês têm achado que seus filhos estão meio
nervosos, irritados, tristes, indo mal na escola, brigando com os irmãos ou com
os amigos? Antes de procurar tratamento para eles, pergunte a si mesmos se não
estará em vocês o problema.
Numa casa, as emoções correm como uma faísca
elétrica, que vai tomando conta de todo o ambiente. Se as pessoas forem calmas,
estiverem satisfeitas, se derem bem, toda a casa tenderá a ser mais tranqüila,
e mesmo que haja problemas – que casa não tem problemas? – Eles serão
resolvidos também de forma mais serena, um a um, sem se transformarem em
tragédias. Serão apenas problemas e problemas existem para serem solucionados.
Se as pessoas, por outro lado, forem nervosas, e irritadas, briguentas,
impacientes e grosseiras, uma com as outras, a casa toda irá entrar nessa
sintonia.
Como vocês, pais, são o eixo da família, sua boa
ou má disposição terá um efeito muito maior do que a das demais pessoas sobre a
disposição de todos, na casa.
Podem prestar atenção e verão como mesmo seu filho
mais nervoso ficará mais calmo, se vocês forem pessoas moderadas e amorosas, e
mesmo seu filho mais tranqüilo ficará com o humor instável, se vocês estiverem
sempre se desentendendo.
Nem tudo na vida nós conseguimos resolver
sozinhos. Assim, não tenham preconceitos. O fato de vocês terem tentado
conversar e não terem chegado a nada, ou até visto a situação piorar, não
significa que vocês não tenham jeito. Insistam. Procure uma terapia de casal,
para procurar descobrir, o que os levou a tamanha mudança, na relação, e o que
os estará levando à destruição do casamento.
Pode ser que tudo se resolva e vocês reencontrem o
prazer de amar e de viver numa casa em que há bem-estar. Mas pode ser, também,
que vocês descubram que a separação, em seu caso, é a solução mais saudável.
Nesse último caso, procure, também, por ajuda,
pois isso os beneficiará e aos seus filhos.
Há
muita gente querendo ajudá-los. Vocês nem imaginam a quantidade de pessoas, no
mundo todo, que se dedicam a estudar formas de fazer as famílias saírem ilesas
de uma separação.
Há muitos profissionais, de diferentes áreas de
atividades, que estão preocupados em se aprimorar, para ajudar casais como
vocês.
Antes de entrar na justiça, vocês poderão contar
com a ajuda de terapeutas familiares, se quiserem fazer uma terapia para repará-los
e a seus filhos, para a separação; se se sentirem razoavelmente prontos para
separar-se e precisarem de um profissional que os ajude a decidir sobre os
detalhes da separação, levando em consideração seus sentimentos e emoções,
procurem um mediado familiar. Atualmente, a maior parte dos mediadores
familiares advém ou de Terapia ou de Direito de Família, como formações
básicas, por serem profissionais que antes da capacitação em mediação, já se
ocupavam das questões da separação. Mediadores com outra formação profissional,
no entanto, desde que experientes na mediação familiar, poderão ser-lhes
igualmente úteis.
Ao chegar o momento de formalizar a separação,
porque vocês só poderão fazê-la no fórum, procurem advogados e especialistas em
Família, cuja referência seja não apenas sobre a competência, mas também sobre
os traços de personalidade, pois uma pessoa moderada e branda nas relações,
pode-lhes transmitir mais serenidade para os difíceis passos que terão que dar
do que uma mais voltada ao trato adversarial.
Lembrem-se: vocês, mais que ninguém, conhece sua
vida, e sabem que apesar de se encontrarem nessa difícil esquina da vida,
deixaram muita coisa boa construída no caminho, o que vale a pena preservar.
Vocês não estarão no fórum para brigar, pelo contrário, parece que vocês só
optaram por essa solução extrema de separar-se justamente para evitar que os
desentendimentos e o desgaste emocional continuassem.
Lembre-se de outra coisa: seus filhos dependem de
vocês e continuarão a depender até que se tornem independentes. E, ainda sim, a
interdependência afetiva não se extinguirá, de modo que é melhor preservá-la
prevenindo qualquer arranhão nas relações. Então procure uma forma harmoniosa
de organizar sua nova vida, encontrando formas de criá-los, de educá-los e de
cuidar deles, que os leve a sentir que, apesar de ter os pais separados, ambos
estão preocupados com o bem estar físico, psíquico, e social e que se entendem
a seu respeito. Seus
filhos vão ser filhos de separados, mas não precisam ser filhos de inimigos
figadais.
Um mal estar entre vocês, como pais, vai se
refletir em seus filhos. Pode ser que para magoar um ao outro, você acabam por
magoar seus filhos e, até, por afastar-se deles ou levar o outro a fazê-lo.
Quem está se separando são vocês lembram? Seus filhos não pediram para
separar-se de ninguém. Além disso, vocês já ouviram falar em ex-filhos? Ex-pai
ou ex-mãe? Não é? Claro, porque isso não existe. O que seus filhos esperam e
precisam é que vocês se lembrem de quem é de como já foram e que passem boas
mensagens sobre um e outro para eles. Hoje, eles se sentirão melhor, e no
futuro, já adultos, os admirarão e amarão mais, pela compreensão de que vocês
podem ter sofrido, mas os pouparam de ter que ouvir alguém falar mal de seu pai
ou de sua mãe.
Lembrem-se, nunca é demais: há muita gente
querendo ajudar você e sua família. Os advogados, os psicólogos, os assistentes
sociais, os promotores e os juízes querem o melhor para vocês. Todos estão
envolvidos em seu bem-estar e empenhados em que sua família saia dessa crise o
menos machucado possível. Ninguém tem interesse em aumentar seu sofrimento, mas
eles também dependem de que vocês – pela vontade de acerta e de fazer o melhor
numa situação que não é nem boa nem fácil – os ajudem a ajudá-los.
Lembrem-se ganhar, numa ação de separação, só
significa ganhar sofrimento, de dessabor, rugas e decepção. Palavras proferidas
e escritas em momentos de forte emoção, nem sempre são reconhecidas, tempos
depois, com a mesma coloração e intensidade, mas, independente disso, são
irrecuperáveis.
Bem, pais, eu só lhes contei essas coisas para a
hipótese de vocês terem se decidido por uma separação, enquanto casal se,
todavia, ainda não estiverem convencidos de ser esta a melhor solução para seus
problemas, continue lutando. Quem sabe, vocês ainda se verão dizendo um ao
outro “que bonito vocês está” ou “como está bom seu cabelo, você foi ao
barbeiro?”.
De qualquer modo, se ainda houver alguma dúvida
dentro de vocês, percam mais um tempinho e leiam a primeira parte desta carta
de novo. Felicidades!
Se dê mais uma oportunidade. O fogo faz o ouro.
Se dê mais uma oportunidade. O fogo faz o ouro.